Caminhos foram interrompidos por cercas de arames farpados nos Areais da Ribanceira. Pela manhã, agricultoras e agricultores idosos tiveram que rolar no chão por baixo das cercas para chegarem às roças de mandioca e ao engenho de farinha. Afloraram as contradições entre os dois projetos em disputa.
Anilton Souza, o Nem, acordou dentro do lugar de trabalho e logo pôs o engenho a funcionar. Aos poucos os agricultores colheram mandiocas e produção e resistência continuam. As provocações dos encarregados da construção de cercas também. Ainda pela manhã, um deles arrancou mandiocas sem qualquer autorização dos agricultores para alimentar o cavalo que puxa os mourões das cercas.
Em contrapartida foi plantada uma castanheira no centro da sede da ACORDI. O ato marcou a união dos trabalhadores do campo e cidade e a firme decisão de permanecerem nos Areais.
A reunião diária da ACORDI com os apoiadores e apoiadoras teve a honra de trazer para a sede da Associação o pequeno Davi, filho da agrônoma e agricultora Marlene, que tanto incentiva a vida soberana e sustentável dos agricultores nos Areais da Ribanceira. Por esta hora foi divulgado um fato jurídico interessante para as Comunidades Tradicionais, pois o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra as empresas Engessul e Sulfacal, com o objetivo de garantir a posse das terras para as comunidades de agricultores e pescadores artesanais de Imbituba.
A íntegra da matéria publicada pela Assessoria de Comunicação do MPF você confere abaixo:
MPF/SC quer garantir posse de terras para comunidade tradicional de Imbituba
A comunidade dos Areais da Ribanceira habita o local há quase 200 anos
O Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF/SC) ajuizou ação civil pública contra as empresas Engesul Indústria e Comércio e Sulfacal Indústria e Comércio de Gesso com o objetivo de garantir a posse das terras da comunidade tradicional dos Areais da Ribanceira, em Imbituba, aos agricultores e pescadores artesanais que foram retirados de lá.
Conforme a ação do procurador da República em Tubarão, Celso Antonio Tres, a Engesul, que tinha a propriedade da área ocupada pela comunidade tradicional antes de repassá-la à Sulfacal, ajuizou ação de reintegração de posse, cujo mandado para remoção da comunidade foi cumprido no último dia 28.
As terras da comunidade dos Areais da Ribanceira abrangem 240 hectares e são ocupadas por cerca de 100 famílias de pequenos agricultores e pescadores, que têm nesse local sua história e seu modo de vida, e dele dependem para sua sobrevivência. A ocupação da área remonta ao século XIX. Há quase 200 anos, essa comunidade tradicional reproduz sua forma de sobrevivência com o cultivo da terra e a extração de plantas medicinais em interação com a pesca artesanal.
Segundo a comissão de direitos e garantias fundamentais de amparo à família e à mulher, da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, que visitou a população dos Areais da Ribanceira, os membros da comunidade vinham sofrendo com diversos atentados aos direitos humanos, como perseguições, cárcere privado e tortura, destruição de benfeitorias e impedimento de trabalhar na região.
De acordo com a ação do MPF, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) instaurou processo para o reconhecimento e regularização fundiária da comunidade tradicional dos Areais da Ribanceira. Além disso, tramita na superintendência estadual do INCRA procedimento que visa à fiscalização do cumprimento da função social do imóvel de propriedade da Sulfacal Comércio de Gesso. Paralelamente à atuação do INCRA, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) está conduzindo processo referente à proposta de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Areais da Ribanceira.
Tendo em vista que a Justiça Federal em 1º grau negou o pedido do procurador Celso Tres para que fosse determinada a suspensão da reintegração de posse e o retorno dos agricultores e pescadores tradicionais aos imóveis, o MPF está recorrendo da decisão junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Venda irregular da área – Em 2005, a Justiça Federal determinou, em outra ação do MPF, o sequestro dos imóveis da Engesul.
Conforme o procurador Celso Tres, na liquidação da extinta estatal federal Indústria Carboquímica Catarinense (ICC), restou patrimônio de cinco áreas no perímetro urbano de Imbituba, que somavam 257 hectares. Cerca de 75% dessas terras eram ocupados pela comunidade dos Areais da Ribanceira. Em junho de 1998, a ICC licitou os bens, sendo vencedora a Cimento Rio Branco (Votorantim), que ofertou por eles R$ 2,3 milhões. Porém, a empresa desistiu da compra.
Em fevereiro de 2000, a ICC deu os bens em pagamento de suas dívidas junto à Gaspetro, outra estatal federal. Em maio daquele ano, sem licitação ou avaliação dos bens, a Gaspetro vendeu tudo à Engesul por cerca de R$ 1,4 milhão. Segundo o procurador Tres, a empresa não pagou os valores à estatal, que em 2003 aceitou a venda por valor menor: R$ 1,1 milhão. Do total de terras, a Engesul vendeu 17 hectares para a Cimento Rio Branco, recebendo o mesmo valor cobrado pela Gaspetro na venda de todas as áreas: R$ 1,1 milhão.
Para o MPF, a venda não foi precedida do devido processo licitatório, tendo em vista que a Gaspetro é uma sociedade de economia mista, integrante da administração pública indireta, e era proprietária de um bem público.
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